quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Um filha-da-puta dum espelho

São 11:30 da manhã e já tomei 3 cafés.
Não admira que ande ansioso. Quanto maior o stresse, mais vontade tenho de tomar cafés.
Já pela segunda vez que calha em conversa - cuidado, que vai para o ano vai haver muitos, cortes, muitos mesmos! - e ao dizer isto, os seus olhos param em mim por breves segundos, quase como um sentimento de culpa.
"Foda-se! O que é se passa afinal? Podíamos ser sinceros e se alguém já sabe de alguma coisa que diga, ao menos até Fevereiro, vou-me preparando".
Talvez nem tenha vontade de ter esta conversa.
Talvez tenha mais vontade de escrever uma peça. Sim, sempre quis escrever uma peça para mim, ser a personagem principal e onde pudesse fazer de eu. A minha personagem podia ser eu mesmo. Era o ideal.
Estou farto de fazer de outro, estou farto de interpretar personagens.
Vive-se uma vida a tentar ser aquilo que somos, enquanto na verdade acabamos por ser aquilo que nos circunda.
Ah, isto faz lembrar aquelas aulinhas de filosofia do 10º ano. Pensávamos que filosofávamos, mas na verdade, era um sentimento de liberdade que a falta de experiência nos dava.
Um dia acabamos por nos olhar ao espelho e não aceitamos aquilo que vemos. Aquele belo cabelo foi-se, está seco, fraco e estamos calvos.
As olheiras estão enormes, as bochechas maiores e os músculos flácidos.
Estamos cansados e a partida ainda mal começou, assim que começamos com a nossa independência, começa a nossa dependência.
Damos afinal com uma estranha personagem em nós, e começamos por nos perguntar onde está afinal aquele rebelde, que teimava em usar os jeans rasgados, as camisolas pretas, as all star gastas e a atitude provocadora?
Um dia encontramos um amigo da escola secundaria e notamos que ele também já está cota.
Damos connosco a pensar para nós: "Foda-se! Como este caralho está velho!!"
Damos conta de que o tempo passou, passou mesmo e não foi a fazer festinhas.
Dou comigo a pensar que tenho de escrever uma peça. Escrever uma peça parece-me o mais importante agora na minha vida. Tenho de recuperar o meu eu perdido. Uma vez escrita a peça, não podemos fugir à personagem, temos de seguir escrupulosamente o guião.
Porque na vida acabamos por ser mais do que uma personagem.
No trabalho sou aquele que está no seu canto, à espera de fazer apenas o que tenho de fazer, friamente, sem confianças, com a confiança de quem já faz o mesmo há mais de uma década.
Mas na verdade o que eu queria era experimentar novas cores, novos ângulos, novos efeitos, ir até ao limite!
Mas não. Isto não está para brincadeiras. Contenção.
Damos connosco a representar um papel, um papel para os outros, e os outros criam uma personagem em cima da nossa e devolvem uma outra coisa ainda mais diferente de nós, e começa a perecer que estamos a ouvir duas músicas ao mesmo tempo, totalmente diferentes, com batidas distintas e transforma-se numa cacofonia diabolicamente insuportável que dá connosco em fúria, revolta, angustia e frustração.
Essa final, a frustração, é que acaba com tudo. A frustração é um inimigo público, é um parasita das nossas vidas.
Não existe nada mais ridículo, nada mais banal que é um gajo a meio da sua vida dar consigo completamente frustrado, cansado, roto, gasto, sem vontade, perdido.
É, damos um dia com um filha-da-puta dum espelho que nos diz tudo isto. Que nos diz que esta merda em que estamos metidos não foram nem mais nem menos que as nossas próprias escolhas.
Se quando era adolescente vivia obcecado em escapar-me, hoje então, já nem sei descrever o que é.
Agora fugia. Fugia para bem longe. Para a Patagónia. Para o Alasca. Para o Tibete. Excluía-me daqui e incluía-me num outro mundo qualquer.

A rebeldia tem um preço.
Um preço a pagar.
Se continuamos rebeldes, é exercida uma pressão enorme sobre nós.
Se alinhamos perdemos a noção de nós mesmos e passamos a ser uma outra coisa qualquer.
Passamos a ser os outros.
Passamos a ser o mundo
as coisas
um estranho
nada

9 comentários:

Caixeira Psicóloga disse...

adoro os teus posts. realmente concordo com o último parágrafo: a rebeldia tem um preço. se continuamos acabamos por ser rotulados e pressionados pelo mundo. se paramos damos conosco a observar esse mesmo espelho e a perguntar o que é feito da outrora pessoa que éramos? E acabamos por ter pena de nós mesmos.
Eu sempre disse que se temos de ser personagens, que sejamos da nossa própria história, nao da historia do mundo

Luna disse...

o meu prof de História ainda usa All Star, quando vem de fato sem gravata. odeio o homem.

Petit Joe disse...

Obrigado, Miss B! Eu também adoro os teus!
Embora eu esteja afastado da Blogosfera ultimamente...
Estou também muito de acordo com o teu ultimo parágrafo. Mas mesmo muito de acordo! Este é um sentimento, uma condição que me assombra há já algum tempo.

Luna: Odeias o teu prof, julgo que não seja, pelas All Star.

Luna disse...

odeio-o porque tem a mania que é o Dr. House.

M disse...

É muito dificil voltarmos atrás...

Há 2 anos eu era o rebelde que usava um brinco, calças rotas, All Stars.

Hoje calço sapatos de vela, calças sarje e camisinhas.

Mudamos consoante o ambiente que nos circunda, mas depois de mudarmos, é muito dificil voltar a sermos aquilo que fomos..

Petit Joe disse...

Luna: Também é coxo?
:P
M:Mudança radical em tão pouco tempo!... Algum motivo trágico ou especial?

Gi disse...

Agora que eu ia votar no tema para o próximo texto e escolher quem queria que escrevesse as urnas fecharam...
O mundo está contra mim!
Não abrem uma excepcãozinha?

Anónimo disse...

Masquediabo: parte esse espelho de uma vez por todas e segue a vida sendo tu mesmo. Deves continuar a tua rebeldia e ignorar o mundo. Sê honesto contigo mesmo.
Bjs.
(gostei deste blogue)

Petit Joe disse...

Karina: Sem dúvida! Acho que o processo está em curso, o espelho irá ser mesmo partido!
Bjs.